UM
INSTANTE DIVINO
Após longa caminhada por uma
estrada empoeirada da minha Pereiro, avistei, ao longe, uma casinha de taipa –
das poucas que ainda teimam em existir por aquele rincão. Apressei o passo – o
sol de estorricar aconselhava a busca urgente por uma sombra –, e me aproximei
o bastante para sentir que dali, daquele humilde casebre, emanava uma alegria
contagiante, em função do esfuziante burburinho que se podia ouvir já de uma
boa distância. Alguns conversavam, outros cantarolavam, meninos pulavam e
gritavam: havia uma celebração.
Pisando a soleira da porta, que se
encontrava convidativamente aberta, saudei a todos. Confesso que não esperei
nem que o convite apressado e reverencioso para que ali adentrasse fosse
completado: entrar naquela humilde residência não representava apenas uma fuga
do sol escaldante, mas, sobretudo, tratava-se de uma imersão na alegria e no
júbilo sem medida. E fui logo entrando e sentando num banquinho de couro de boi
esticado por quatro pedaços de pau que me foi cerimoniosamente oferecido. E aí
sim, tomando um gostoso cafezinho, pude entender o motivo de tanto festejo.
Num cantinho da minúscula sala de chão
de terra batida, estava sendo pacientemente construído um interessante, e
encantador, presépio. Aquelas pessoas não faziam menção ao nome daquela
simples, porém magnífica, construção: talvez por desconhecimento. Disseram que
se tratava de um enfeite de natal. Queriam mesmo era que ali estivesse
representada a extraordinária cena do nascimento do menino Jesus. Nem de longe
tinham também conhecimento de que aquela cena fora cristalizada e imortalizada
por artistas maravilhosos como Giotto, na sua monumental Natividade: uma alegoria na qual o boi, o burrinho e o estábulo
compunham o ambiente onde o mais ilustre, digno e virtuoso personagem que o
mundo já teve notícia teria nascido.
Lá estavam rudemente confeccionados com
barro: bois, ovelhas e a manjedoura; e, dentro desta, um pequenino e amarrotado
boneco de plástico, cingido por um pano azul-celeste. Era Cristo menino!!! Cena
de tão portentosa beleza e de tão alargado significado não pode ser contada
apenas por palavras. Elas, as palavras, são exíguas e vexatoriamente impotentes
para descrever a grandeza e o encantamento de tão sublime caracterização de
religiosidade e respeito pelas coisas sagradas. Era dia claro – aliás, como
disse, de sol muito forte –, porém, o que verdadeiramente iluminava aquele
cantinho de parede no qual se encontrava o singelo presépio não era a luz
solar. Efetivamente, não. A luz que se projetava ali era a que saía do coração
de cada um daqueles fantásticos moradores da pobre casinha de taipa.
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